Pensamento vivo de La Boétie e Hobbes

15 out

Étienne La Boétie questiona os motivos das pessoas que normalmente aceitam servir a um único homem sem contestação. Como elas aceitam voluntariamente um governo tirânico? Para La Boétie a resposta não está na covardia do povo e menos ainda na coragem do tirano. Já Thomas Hobbes afirma que existe a forma contratual de um governo absolutista, que é diferente de um governo tirânico. Por meio de uma visão mais ampla pode-se enxergar algumas relações entre a obra destes dois autores. Até porque, para Hobbes, quando uma monarquia é detestada pelo povo fica caracterizada uma tirania, a única diferença é o nome.

‘‘ Encontramos outros nomes de espécies de governo, como tirania e oligarquia, nos livros de história e de política. Mas não se trata de nomes de outras formas de governo, e sim das mesmas formas quando são detestadas. Pois os que estão descontentes com uma monarquia chamam-lhe tirania, e aqueles a quem desagrada uma aristocracia chamam-lhe oligarquia.’’ (HOBBES, Thomas, Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, Ed. Nova Cultural, cap. XIX, pág.153)

A liberdade em relação ao Estado natural

Para Hobbes o homem nasce livre, e por liberdade ele entende a ausência de impedimentos externos, aproximando-se do pensamento de La Boétie. Porém, assim como os outros contratualistas, Hobbes cria uma situação hipotética para justificar sua teoria política, já La Boétie justifica seu pensamento por meio de exemplos históricos, um método que se aproxima ao de Maquiavel. Para o contratualista Hobbes, o estado natural é uma guerra de todos contra todos em um conflito constante. A liberdade é incondicional para preservar a própria vida, é chamado um direito jus naturale. Esse estado de guerra surge pelas características do próprio homem, que além de instintivamente preservar a própria vida (instinto esse presente nos três contratualistas), sempre está a procura de honra e glória. No pensamento hobbesiano a melhor defesa é o ataque, o que justifica a ideia de um estado natural de guerra.

‘‘ Com isso se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens’’ (HOBBES, Thomas, Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, Ed. Nova Cultural, Cap. XIII, pág.109).

Cansados de viver nesse estado de guerra, os homens concebem um contrato de associação e um contrato de submissão para a criação do Estado. Hobbes concebe a ideia de que esses contratos são um só, portanto a sociedade nasce junto com o Estado, no caso de desaparecimento deste último, a sociedade também desaparece. Assim sendo, o Estado é visto como algo da cultura humana e não de sua natureza. Por sua vez, La Boétie acredita que todos os homens são naturalmente livres, uma vez que são companheiros:

‘‘ Não se deve duvidar de que sejamos todos naturalmente livres, pois somos todos companheiros; e não pode cair no entendimento de ninguém que a natureza tenha posto algum em servidão, tendo-nos posto todos em companhia. ’’ (LA BOÉTIE, Étienne, discurso da servidão voluntária, Ed. Brasiliense, pág. 17)

Para justificar seu argumento, La Boétie utiliza-se de inúmeros exemplos em que animais presos e obrigados a servir seu dono lutam pela liberdade. Em seguida questiona o fato do ser humano ser o mais capaz de lutar pela liberdade e ainda assim ser o que menos o faz. Mas, diferente de Hobbes, não tenta encontrar uma origem das associações humanas, busca somente retratar o que existe ou existiu de fato.

Em relação ao Estado

O contrato social é realizado na ausência de um soberano, é unicamente idealizado o lugar de soberano. Com isso, todos participam da formulação do contrato e consequentemente devem aceitar o que o soberano fizer, caso contrário estarão indo contra si próprios. O soberano não pode ser julgado e não tem obrigações, apenas a de preservar a vida de seus súditos. Caso não consiga, ele pode pagar com a própria vida, uma vez que o rei nunca morre quem morre é apenas a pessoa que ocupa o cargo. Soberano pode ser tanto um homem como um grupo de homens (apesar de Hobbes dar numerosos exemplos de o governo de um único homem ser o melhor dentre todos). O fato de não precisar justificar seus atos gera um estado de medo constante, esse medo é um dos fatores que auxiliam na manutenção do contrato. Tal poder na mão de um homem, ou grupo de homens, pode facilmente tornar-se uma tirania na visão de La Boétie. Para ele existem três tipos de tiranos: os eleitos pelo povo (podemos ver aqui influências de Platão, quando o povo, ingênuo, é pai da tirania por se deixar levar pelo político demagogo; essa influência irá reaparecer no final de seu texto quando afirma que o tirano sempre está rodeado pelos piores), pela força das armas ou por hereditariedade. Todas as formas são criticadas pelo autor:

‘‘Os eleitos os tratam como se tivessem pegado touros para domar; os conquistadores os consideram presa sua; os sucessores pensam tratá-los como seus escravos’’(LA BOÉTIE, Étienne, Discurso da servidão voluntária, Ed. Brasiliense, pág. 19).

Porém, nesse ponto Hobbes afirma que o medo não é terror, e descreve que qualquer coisa é melhor que o estado de natureza, de guerra de todos contra todos.

‘‘Não há sociedade; e o que é pior do que tudo, um constante temor de perigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta’’ (HOBBES, Thomas, Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, Ed. Nova Cultural, Cap. XIII, pág.109)

Evidentemente os autores falam de Estados diferentes, todavia, a partir do momento em que o soberano abusa de seu poder e não garante a vida de seus súditos existe a quebra do contrato, nesse caso, o súdito é livre para fazer o que quiser: fugir da prisão (no caso de condenação a morte), se rebelar, tentar coagir outros, até mesmo matar o soberano. Mas, em algumas situações o soberano causa a morte de algum súdito propositalmente, nesse caso o contrato é quebrado apenas com este súdito e não com todos; não abusando desse direito, o senhor pode usá-lo como exemplo para os demais. Deste modo há um emprego da morte como forma de manutenção do medo e do controle. Nesse ponto, ambos concordam com a necessidade da existência de um Estado protetor, apesar de Hobbes ser relativamente radical:

‘‘Em conseqüência, se os habitantes de um país encontraram algum grande personagem que lhes tenha dado provas de grande previdência pra protegê-los, grande audácia para defendê-los, grande cuidado para governá-los, se doravante cativam-se em obedecê-lo e se fiam tanto nisso a ponto de lhe dar algumas vantagens, não sei se seria sábio tirá-lo de onde fazia o bem para colocá-lo num lugar onde poderá malfazer; mas certamente não poderia deixar de haver bondade em não temer o mal de quem só se recebeu o bem’’(LA BOÉTIE, Étienne, discurso da servidão voluntária, Ed. Brasiliense, pág. 12).

Renovação contratual e o hábito

Qual a validade desse contrato? Como é a servidão no imaginário da população? Ambas as perguntas aparecem para qualquer leitor das obras desses autores. Quando o individuo nasce, o contrato já está feito e em atividade, parece que todos são presos a ele, então como se explica isso na obra de Hobbes? Neste caso, a questão circula entre a necessidade e uma eternidade artificial. Como já fora dito, a vida em seu estado de natureza é solitária, perigosa e curta. Se um súdito sai da segurança do reino em que vive, se não for para outro reino (e ai, obrigado a participar de outro contrato ou ser morto por não ter a proteção de nenhum outro) irá para uma terra de ninguém, e onde não há Estado nada pode ser injusto, assim sendo, sofrerá da mesma forma. E o que garante a constante renovação desse contrato? Hobbes legitima esse ponto quando nos fala sobre a eternidade artificial:

‘‘Sem a qual os homens que são governados por uma assembléia voltarão à condição de guerra em cada geração, e com os que são governados por um só homem o mesmo acontecerá assim que morrer seu governante. Esta eternidade artificial é o que se chama direito de sucessão’’ (HOBBES, Thomas, Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, Ed. Nova Cultural, Cap. XIX, pág.158)

Direito esse, próprio do soberano. A questão do hábito da servidão em La Boétie se diferencia bastante da visão Hobbesiana. Para ele, em um primeiro momento há uma servidão pelo uso da força, que logicamente, deixa de ser voluntária, e num segundo momento ela existe pelo costume.

‘‘ É verdade que no inicio serve-se obrigado e vencido pela força; mas os que vêm depois servem sem pensar e fazem de bom grado o que seus antecessores haviam feito por imposição’’ (LA BOÉTIE, Étienne, discurso da servidão voluntária, Ed. Brasiliense, pág. 20)

Em que a virtude desse costume é ensinar a servir.

Por: Jimmy Augusto, Guilherme Camargo, Leonardo Lemos e Eduardo Reis

Uma resposta to “Pensamento vivo de La Boétie e Hobbes”

  1. Patricia Müzel dezembro 10, 2011 às 1:28 pm #

    Na primeira parte do texto vocês se referem a La Boétie para dizer onde esta o problema da servidão voluntária, mas não o fazem. Apenas dizem onde a resposta não esta: “Para La Boétie a resposta não está na covardia do povo e menos ainda na coragem do tirano”, mas La Boétie responde essa questão dizendo que a servidão voluntária esta no hábito e na covardia, o que vocês afirmam o contrário: “mas os escravos, inteiramente sem coragem e vivacidade, têm o coração baixo e mole, e são incapazes de qualquer grande ação. Disso bem sabem os tiranos; assim, fazem todo o possível para torná-los sempre mais fracos e covardes. Artimanha dos tiranos: bestializar seus súditos!”. La Boétie.
    Outra questão que não me ficou clara é quando vocês falam do contrato de Hobbes: “O contrato social é realizado na ausência de um soberano, é unicamente idealizado o lugar de soberano. Com isso, todos participam da formulação do contrato…”. Na verdade para Hobbes há ausência do soberano porque o soberano é fruto do contrato de todos os homens, ou seja, é a partir do contrato que é estipulado para um indivíduo o poder que controlará e defenderá o direito a vida de cada cidadão.
    Fora isso o texto está bem elaborado, contendo a maior parte dos conceitos da política de Hobbes.

    Patrícia Müzel NA2 Ciências Sociais. Ra:00095548

Deixe um comentário